A compensação entre precatórios e dívidas fiscais é um tema que tem ganhado destaque no cenário jurídico brasileiro, principalmente entre empresas e pessoas físicas com créditos contra a Fazenda Pública.
O alto volume de precatórios acumulados e o interesse da União, estados e municípios em receber seus créditos tributários fomentaram debates e iniciativas legislativas que buscam viabilizar essa compensação. Mas, na prática, ela é permitida? Quais são as regras, os limites e as oportunidades envolvidas?
Hoje vamos esclarecer o conceito de precatório, explicar o que são dívidas fiscais e analisar se é possível, de fato, utilizar um precatório para compensar débitos tributários. Também abordaremos a legislação atual, decisões judiciais relevantes e as alternativas disponíveis para credores e devedores.
O que são precatórios?
Precatórios são ordens de pagamento emitidas pelo Poder Judiciário para cobrar da Fazenda Pública (União, estados ou municípios) valores devidos após condenação judicial definitiva. Eles decorrem, por exemplo, de ações judiciais por desapropriação, diferenças salariais, indenizações ou restituição de tributos pagos indevidamente.
Quando o valor ultrapassa 60 salários mínimos, o pagamento deve ser feito por meio de precatório. Valores abaixo desse teto podem ser pagos como Requisições de Pequeno Valor (RPVs), que têm prioridade e não entram na fila de precatórios.
O que são dívidas fiscais?
Dívidas fiscais são débitos decorrentes do não pagamento de tributos como Imposto de Renda, ICMS, ISS, INSS, entre outros. Quando não quitadas no prazo legal, essas dívidas podem ser inscritas em dívida ativa e cobradas judicialmente por meio de execuções fiscais, com possibilidade de bloqueios de bens, penhoras e protestos.
Tanto empresas quanto pessoas físicas podem acumular dívidas fiscais, o que pode gerar consequências sérias, como restrições no nome, impedimentos para participar de licitações e, em casos extremos, ações de cobrança mais severas.
É possível compensar precatórios com dívidas fiscais?
Sim, em alguns casos é possível. Mas a regra geral é que a compensação não é automática e depende de permissões específicas na legislação, além de regulamentações por parte do ente federativo envolvido.
Historicamente, o entendimento predominante era de que precatórios e dívidas tributárias não poderiam ser compensados, já que a Fazenda Pública goza de privilégios em relação à cobrança de seus créditos. No entanto, nos últimos anos, diversas leis e propostas têm aberto caminhos para tornar essa compensação possível.
O que diz a legislação?
O principal marco legislativo sobre o tema é a Emenda Constitucional nº 113, de 2021. Ela alterou a Constituição Federal para permitir a compensação de precatórios federais com débitos inscritos em dívida ativa da União.
Segundo o artigo 100 da Constituição, com a redação dada pela EC 113, é possível a utilização de precatórios para:
- Quitação de débitos tributários federais do titular do crédito;
- Compensação com dívidas de responsabilidade do mesmo ente devedor;
- Utilização em leilões para abatimento de dívida tributária.
Apesar dessa abertura, ainda há necessidade de regulamentação infraconstitucional e de adesão efetiva pelos entes públicos, principalmente nos âmbitos estadual e municipal.
Como funciona na prática?
Na esfera federal, o uso de precatórios para compensação com débitos fiscais foi regulamentado pela Portaria PGFN nº 10.826/2022. Ela permite que pessoas físicas ou jurídicas utilizem precatórios federais de sua titularidade para quitar dívidas inscritas na dívida ativa da União, inclusive com parcelamento e condições especiais.
Os principais requisitos são:
- O precatório deve ser de titularidade do contribuinte;
- Deve estar devidamente expedido e em situação regular;
- A dívida deve estar inscrita na dívida ativa da União;
- A compensação deve ser homologada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
Nos estados e municípios, a situação varia. Alguns entes já aprovaram leis locais permitindo essa compensação, enquanto outros ainda não regulamentaram a prática. Em muitos casos, mesmo com a possibilidade prevista na Constituição, o contribuinte precisa ingressar com ação judicial para garantir o direito à compensação.
Oportunidade para negociação de precatórios
A compensação de precatórios com dívidas fiscais abre um mercado estratégico para negociação desses títulos. Muitas empresas e pessoas físicas que têm dívidas tributárias buscam adquirir precatórios com deságio para quitá-las com economia, enquanto credores que não desejam esperar anos na fila de pagamento encontram uma forma de monetizar seus créditos.
É comum no mercado a cessão de precatórios com deságio entre 20% a 40%, dependendo do tipo de precatório, ente devedor, tempo de espera e risco de judicialização.
Para que a cessão seja válida para fins de compensação, é necessário que:
- A cessão seja formalizada por instrumento público ou particular com firma reconhecida;
- Seja averbada nos autos do processo do precatório;
- Seja comunicada ao ente público devedor.
Quais os riscos?
Apesar das oportunidades, existem riscos envolvidos:
- Não regulamentação: Muitos estados e municípios ainda não permitem compensações, o que pode inviabilizar a operação;
- Judicialização: Mesmo com base constitucional, é comum que o contribuinte tenha que ingressar com ação judicial para efetivar a compensação;
- Validação da cessão: Se a cessão for feita de forma irregular ou sem anuência da administração, ela pode ser desconsiderada;
- Deságio elevado: A compra de precatórios com alto deságio pode indicar risco elevado de inadimplemento ou fila longa para pagamento.
Por isso, é essencial contar com assessoria jurídica especializada para avaliar cada caso, analisar os riscos, formalizar a cessão de maneira correta e acompanhar eventuais processos de compensação junto à Fazenda Pública.
Conclusão
A compensação de precatórios com dívidas fiscais é uma possibilidade real e vantajosa em muitos casos, especialmente após a Emenda Constitucional 113/2021 e regulamentações específicas como a Portaria PGFN nº 10.826/2022. No entanto, ainda é um tema cercado por nuances legais, riscos e dependência de regulamentação específica por parte de cada ente federativo.
Para empresas e contribuintes com altos valores de dívida ativa, adquirir precatórios para compensação pode ser uma alternativa interessante para reduzir passivos tributários com desconto. Já para quem detém precatórios e busca liquidez, o mercado de cessão se apresenta como uma oportunidade.
Antes de qualquer movimento, no entanto, a recomendação é clara: busque orientação com profissionais experientes em precatórios e direito tributário. A segurança jurídica e a viabilidade da compensação dependem diretamente da correta interpretação das normas e do correto trâmite processual.