O pagamento de precatórios pelos entes públicos — União, estados, Distrito Federal e municípios — envolve não apenas aspectos orçamentários, mas também limites legais definidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Criada para impor maior controle sobre os gastos públicos e prevenir desequilíbrios fiscais, a LRF atua como um freio e, ao mesmo tempo, um norte para os gestores públicos que precisam lidar com uma dívida crescente decorrente de decisões judiciais.
A partir de agora vamos explorar como a Lei Complementar nº 101/2000 (LRF) impacta a gestão e o pagamento de precatórios, quais são os limites impostos, quais alternativas são legalmente possíveis e como os entes públicos podem atuar dentro da legalidade para quitar esses débitos sem comprometer o equilíbrio financeiro.
O que são precatórios?
Precatórios são ordens de pagamento expedidas pelo Judiciário contra a Fazenda Pública após o trânsito em julgado de uma ação judicial. Eles representam débitos que o ente público tem com pessoas físicas ou jurídicas, geralmente em razão de decisões que envolvem desapropriações, indenizações, restituição de tributos pagos indevidamente, entre outros.
O problema não está na existência do precatório em si, mas na dificuldade que muitos entes federativos enfrentam para quitar essas dívidas dentro do prazo, devido à limitação orçamentária e à rigidez da legislação fiscal.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e seus objetivos
A LRF foi criada para impor disciplina nos gastos públicos, assegurar a transparência na gestão fiscal e evitar que despesas sejam realizadas sem previsão de receita correspondente. Seus princípios giram em torno da responsabilidade, do equilíbrio orçamentário e da sustentabilidade das contas públicas a longo prazo.
Entre suas diretrizes, destacam-se:
- Limites de despesa com pessoal;
- Necessidade de equilíbrio entre receita e despesa;
- Proibição de aumento de despesa sem estimativa do impacto orçamentário;
- Previsão de metas fiscais.
No contexto dos precatórios, a LRF estabelece que o pagamento dessas dívidas judiciais deve obedecer ao princípio da programação orçamentária e ao respeito aos limites de endividamento e de despesa.
Como a LRF impacta o pagamento de precatórios?
O principal impacto da LRF sobre o pagamento de precatórios está na exigência de que esses valores sejam devidamente previstos no orçamento público, respeitando o equilíbrio fiscal e os limites legais de gasto.
A Constituição Federal, no artigo 100, determina que os precatórios devem ser pagos até o final do exercício seguinte ao da sua inclusão no orçamento. Já a LRF impõe que:
- Os precatórios sejam incluídos na Lei Orçamentária Anual (LOA);
- Não haja despesa sem previsão de receita;
- As obrigações financeiras estejam compatíveis com a capacidade de pagamento do ente público.
Essa combinação entre exigência constitucional e controle fiscal cria um cenário de complexidade para os gestores. Muitos entes, especialmente municípios e estados endividados, encontram dificuldades para cumprir essas obrigações dentro dos limites impostos pela LRF.
Limites de endividamento e a dívida com precatórios
Um dos maiores desafios para os entes públicos está no teto de endividamento previsto na LRF. A legislação estabelece limites percentuais da Receita Corrente Líquida (RCL) para contratação de dívidas e operações de crédito, o que inclui, em alguns casos, o refinanciamento da dívida com precatórios.
Quando o volume de precatórios ultrapassa a capacidade financeira do ente, a LRF impede que novas dívidas sejam assumidas para quitá-los se isso representar o descumprimento dos limites legais. Esse é um dos principais entraves enfrentados por estados em regime de recuperação fiscal ou municípios com baixa arrecadação.
Possibilidades legais para o pagamento de precatórios dentro da LRF
Apesar das limitações, existem alternativas legais que permitem aos entes públicos lidar com os precatórios sem infringir a LRF. Entre as principais estão:
1. Regime Especial de Pagamento (EC 94/2016 e EC 99/2017)
As Emendas Constitucionais 94 e 99 instituíram um regime especial para estados e municípios quitarem seus precatórios de forma parcelada até 2029, com percentuais mínimos da RCL destinados anualmente ao pagamento dessas dívidas. Isso cria uma previsibilidade que permite compatibilizar os pagamentos com os limites da LRF.
2. Utilização de receitas extraordinárias
O ente pode utilizar receitas não recorrentes, como recursos provenientes de precatórios recebidos da União, leilões de bens públicos, acordos judiciais ou royalties para acelerar o pagamento da dívida com precatórios, desde que isso seja compatível com o planejamento orçamentário.
3. Cessão de créditos de precatórios
A cessão de precatórios pode ser utilizada como mecanismo de compensação de débitos tributários, conforme já abordado no artigo anterior. Para o ente público, isso pode representar uma forma indireta de redução da dívida precatorial sem violar os limites da LRF.
4. Compensações e acordos diretos com credores
Alguns estados criaram câmaras de conciliação que permitem o pagamento antecipado com deságio, mediante acordo direto com os credores. A vantagem é reduzir o passivo com menor desembolso imediato, facilitando o cumprimento da LRF.
Riscos de descumprimento da LRF no pagamento de precatórios
O descumprimento da LRF, especialmente no que diz respeito à previsão orçamentária e à geração de novas despesas sem base legal, pode implicar sanções graves ao gestor público, como:
- Responsabilização por crime de responsabilidade;
- Improbidade administrativa;
- Rejeição das contas pelo Tribunal de Contas;
- Suspensão de transferências voluntárias e de operações de crédito.
Portanto, mesmo diante da pressão do Judiciário ou dos credores, o gestor público deve agir com cautela e sempre respaldado em pareceres técnicos e jurídicos que assegurem a legalidade dos atos.
O papel do planejamento orçamentário e da transparência
A LRF exige que os entes públicos elaborem seus planos plurianuais, leis de diretrizes orçamentárias e leis orçamentárias anuais de forma transparente e compatível com suas obrigações de pagamento. O planejamento é essencial para garantir que haja recursos suficientes para honrar precatórios dentro dos limites legais.
Além disso, a divulgação das dívidas precatórias, do cronograma de pagamento e da execução orçamentária reforça a transparência da gestão e permite o controle social sobre as contas públicas.
Conclusão
A Lei de Responsabilidade Fiscal não impede o pagamento de precatórios, mas estabelece um conjunto de limites que obrigam os entes públicos a agirem com responsabilidade, planejamento e equilíbrio. A conciliação entre a obrigação constitucional de pagar precatórios e o respeito às regras fiscais é um dos grandes desafios da gestão pública atual.
As alternativas existem, como o regime especial, o uso de receitas extraordinárias, os acordos diretos e as cessões de crédito. O que se exige dos gestores é competência técnica e prudência jurídica para atuar dentro da legalidade e evitar sanções que podem comprometer não apenas sua carreira, mas também a estabilidade financeira do ente que representam.
Para os credores, entender esse cenário é essencial para avaliar os riscos e oportunidades, especialmente na negociação ou cessão de precatórios. O pagamento existe, mas ele depende de uma engrenagem complexa que envolve orçamento, responsabilidade fiscal e decisões estratégicas.